sexta-feira, 19 de abril de 2019

Amadurecimento


É muito louco perceber que você passa anos da sua vida tentando se encaixar, porque você se sente vazia, incompleta. E você se acostuma tanto a não pertencer que acaba desenvolvendo um muro muito alto que te mantém sozinha. E, eventualmente, você se habitua à altura e à solidão. Você passa a desfrutar da sua própria companhia com prazer e gratidão. Não foi fácil chegar até aqui. Aliás, se paro pra pensar, penso que não é sobre a solidão do caminho em si, mas sobre amadurecimento. 

Eu não sei de fato onde essa jornada teve início. Lembro-me da minha infância incrível com carinho. Dos amigos maravilhosos, dos lugares que visitei, das coisas que aprontei, da diversão, do desprendimento, da liberdade. A impulsividade e o desejo de liderar já se faziam presentes em mim. Eu acho que eu sempre quis mais tempo; tempo para que os outros olhassem para mim. Eu já passei tantos e tantos anos da minha vida olhando diretamente para o meu reflexo no espelho que às vezes a minha autoconsciência me cega e me cansa. Lembro que, por volta dos 11, 12 anos, eu comecei a querer ser notada pelos outros. Cientificamente falando, esse fato faz muito sentido, pois é o início da adolescência, período de transição física, mental, hormonal, cognitiva. Período de se reconhecer em si mesmo e nos outros. Talvez aí, tentando me reconhecer nos outros, eu tenha me perdido. Talvez ao tentar mergulhar em outros reflexos que não os meus, eu tenha me afogado.

Mudanças e mais mudanças. Com elas, foram surgindo medos e inseguraças. Surgiram os primeiros amores, distâncias e decepções. Surgiram as primeiras emoções dilacerantes e as intensidades. Emergiram novas sensações e desejos. Fui me deixando levar. Fui me deixando viver e pertencer aos outros. Até que pertenci. Pertenci e naquele momento eu pensava que sabia o que estava fazendo. Boba. Achava que era dona de mim. Me entreguei pensando que o desejo era meu quando na verdade eu só não sabia como dizer não. Me envolvi tanto e me deixei levar pela imagem dos outros que acabei me afundando. E afundei, afundei, afundei... Como se tivessem amarrado uma pedra pesada ao meu corpo ao me jogarem naquele oceano. Talvez, até, eu fosse a própria pedra.

Levou um tempo para que eu saísse de lá. Para que eu me desligasse daquele pertencimento. Para que eu deixasse de caber em determinados lugares. Pra ser sincera, penso que hoje talvez eu ainda pertença. Não sei se por carinho, nostalgia ou o que quer que seja. Talvez seja característica da vítima apegar-se ao agressor. Talvez o animal enjaulado nunca consiga voltar à selva. Mas, de alguma forma, penso que voltei a ser selvagem. Penso que voltei a ser livre, a correr e sentir o cabelo batendo no meu rosto, tal qual acontecia quando eu fugia de bicicleta, todas as manhãs, na infância, para a casa da minha melhor amiga. Eu tenho aprendido a aceitar minha identidade. Minhas raízes. Tenho aprendido a amar e acolher meu verdadeiro eu. Hoje eu me olho com mais carinho. Hoje eu percebo as minhas cicatrizes com mais paciência.    

Isso não significa que eu não tenha mais dúvidas. Pelo contrário, ainda estou mergulhada em várias delas. Costumo dizer que a vida é como um vídeo game: parece que cada fase se torna ainda pior. Lá nos meus quinze anos eu pensei que o ensino médio seria a coisa mais díficil que eu iria enfrentar. Errado. Aos 17, no vestibular, sentia-me uma inútil e achava que ali era o fim. Errada novamente. Eis que chega a maioridade, período tão sonhado, a faculdade, a liberdade, a suposta independência. Novamente nada saiu como eu planejei. Após a formatura, então, quem diria: o medo de enfrentar o mundo adulto e mais e mais angústicas reverberando dentro de mim. 

Apenas hoje eu percebo o quanto cresci. O quanto o caminho me fez forte. Apenas hoje consigo entender como cada degrau dessa escada fez parte da minha caminhada. Hoje eu tento entender que as coisas têm seu tempo certo para acontecer. Hoje eu tento antecipar menos os meus sofrimentos e viver mais pelo agora. Hoje eu busco mais soluções do que reclamo (bom, na grande maioria das vezes). Hoje eu sou e me permito estar. Aqui e agora. Inteira e grata. Tendo cuidado e paciência com o meu processo de amadurecimento. Que eu possa continuar me fazendo bem e, de certa forma, fazendo a diferença na vida dos outros também.

Que possamos ser sempre potência, luz e discernimento. Que eu possa continuar aceitando os desafios da vida e me permitindo surpreender e crescer. Que a gente não se deixe levar pelos medos, incerterzas, tropeços e erros pelo caminho. Que a gente possa sempre se perdoar e ter paciência com o processo. Que a gente aprenda a se curar por conta própria, pois o autoamor é necessário. Que saibámos reconhecer até onde ir e a hora de parar, sabendo que na hora certa as peças irão se encaixar. Bendito seja o tempo que nos rege.

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